DOCUMENTO EM DESTAQUE: A RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA - SÉCULO XIX


Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de Março, a Superintendência do Arquivo Público de Uberaba, analisa o documento pertencente ao seu acervo, referente à 1º Vara Criminal de Uberaba do ano de 1886. O documento refere-se a uma mulher negra, escrava, que ousou denunciar o poderoso Barão de Ponte Alta

Parte do processo sobre a escrava Maria Rita da Primeira Vara Criminal de 1886. Acervo: SAPU.

 
            Maria Rita, escrava, vivia na sesmaria de Ponte Alta de Antonio Eloi Cassimiro de Araújo Bruoswik, o Barão de Ponte Alta, no ano de 1886, pouco antes da Abolição.

            Sesmaria era a forma como o governo português administrava as propriedades no Brasil Colônia e que perdurou por um curto período no Império. Era uma imensidão de terra onde está assentada atualmente a cidade de Uberaba.

            Na Europa do tempo dos imperadores, os membros da família imperial, os nobres, administravam de forma vitalícia as vilas, arraiais e as cidades. Eram os duques, marqueses e barões. Assim, na era republicana, esses cargos foram substituídos pelos cargos de prefeitos e governadores, que eram eleitos.

            Antonio Eloi não era nobre. Ocorre que os reis se utilizavam de líderes políticos locais para ajudar na administração política de regiões que ficavam distantes dos centros de poder, no caso, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Para aproximá-los da casa real, eram conferidos a eles títulos de nobreza.

            Contudo, Antonio Eloi ganhou o título já idoso, pouco antes da Proclamação da República, provavelmente devido ao reconhecimento da Corte pelos seus serviços.
            Antonio Eloi, ou Barão de Ponte Alta, foi fazendeiro escravocrata, vereador, chefe político local e deputado federal. Tinha livre trânsito na capital federal. Poderoso, foi responsável por decisões políticas em Uberaba.


O processo (auto de corpo de delito)

            As escravas trabalhavam na cozinha do Barão.

            Consta que, depois das refeições, a escrava Maria Rita ocultava os restos de comidas para alimentar um companheiro da senzala. A esposa do Barão de Ponte Alta, D. Francisca Augusta de Oliveira, a baronesa, descobriu e indignou-se com o gesto. Por isso, resolveu aplicar castigos físicos, açoites, em Maria Rita, prática ilegal naquela época.

            Ferida, ela deixou a fazenda e veio para Uberaba. Consta no processo que ela teria "fugido" para obter apoio. Bateu na casa de um vigário católico que ouviu a sua história. Intrigado, escreveu uma carta ao Barão, solicitando mais atenção e cuidado em relação à escrava e, em seguida, entregou em mãos de Maria Rita para que ela passasse ao Barão, e foi o que ela fez.

            De volta na fazenda, o Barão recebeu a carta das mãos da escrava e, contrariado, ordenou que ela fosse açoitada e, depois disso, que fosse afixada uma gargalheira de metal em seu pescoço, presa a uma haste de ferro em formato de S que ia do pescoço até os pés. Esta haste estava amarrada a uma corrente de ferro presa em seus tornozelos. Desta forma, com movimentos limitados, ela tinha que preparar as refeições e trabalhar na cozinha.

Um desenho do pintor Luís Silva, em 1888, Alagoas, mostra o escravo Isidoro preso por corrente e com um libambo ao pescoço - uma gargalheira, instrumento de tortura semelhante ao posto na escrava Maria Rita pelo Barão da Ponte Alta. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas

            Inconformada, novamente ela deixou a fazenda atada aos grilhões, carregando no colo sua filha de dois anos de idade. No caminho da fazenda de Ponte Alta até Uberaba, alguns carreteiros condutores de carros de bois que cruzaram com ela pela estrada tentaram remover suas amarras. Contudo, apenas conseguiram quebrar a corrente que prendia um de seus tornozelos.

            Dessa forma, presa a ferros e correntes, carregando um bebê, ela se apresentou à Delegacia de Policia para prestar queixa contra o Barão de Ponte Alta, sob os olhares apreensivos dos funcionários da Delegacia.

            Realizaram o exame de corpo de delito em Maria Rita, onde se constatou prática de tortura e sevícia, que já não era permitido mais naquele período. O Delegado encaminhou um comunicado ao Barão informado sobre a legislação que impedia essa prática em escravos e ouviu, como resposta, que não a queria mais em sua propriedade.

          Separada da filha, foi mantida em cativeiro até a Abolição da Escravidão, em 1888.

            Caso ela não se apresentasse à polícia e não fizesse a queixa, essa história não chegaria até nós hoje. Passaria desapercebida, abortada, no silêncio. Com sua atitude, ela deu voz à opressão e, quase como apelo, um grito de liberdade, comunicou-se com os historiadores e pesquisadores de nossa geração. O exemplo de sua luta superou o tempo e se tornou um comunicado de que a conquista dos direitos dependem de sacrifícios e determinação.

       A escravidão é o lado obscuro da história do Brasil. A recuperação desse documento visa compreender os escombros das relações pessoais, como preconceito e discriminação, presentes em nosso país até os dias de hoje e que devem ser superados para se construir uma civilização.

Documento analisado pelo historiador da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba, Luiz Cellurale

Comentários

Unknown disse…
Olá dps de ter pesquisado muito achei as origens da minha família e agora dps do que eu li eu fique chocado meus parabéns pela a reportagem
Eu sou negro tenho 74 anos aorigem dos meus avós é da fazenda ponte Alta meu bisavó éra casado com Amaria Rita ele Anselmo eles continuarão colono do coronel Antonio Rios minha bisavó Maria Rita era parteira conheci a fazenda Calafate gostaria de conhecer minha origem africana meu avó não sabia ele era registrado na paróquia de Jubai com o nome e Manuel Ancelmo ficaríamos feliz si conseguise resgatar a istria a mlnha orijem


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